"A Terra não é um enorme armazém infinito de recursos, nem uma grande lixeira capaz de absorver indefinidamente nossos degetos. O atual modelo de desenvolvimento mundial tem usado o Planeta além de sua capacidade de suporte; em consequência, o colapso dos sistemas vivos é visível por toda parte, como por exemplo, o aquecimento global, a perda maciça das florestas e biodiversidade, entre outros. Como um lado diferente da mesma moeda, milhões de seres humanos estão condenados a uma vida de sofrimento, fome e miséria. O que se percebe é que a mesma lógica que super-explora o planeta também produz a miséria e a fome.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Nós, do Pará, não precisamos de mais hidrelétricas’.
PARA REFLETIR UM POUCO ANTES DE LER A ENTREVISTA DO Pe. EDILBERTO SENA.
"A Terra não é um enorme armazém infinito de recursos, nem uma grande lixeira capaz de absorver indefinidamente nossos degetos. O atual modelo de desenvolvimento mundial tem usado o Planeta além de sua capacidade de suporte; em consequência, o colapso dos sistemas vivos é visível por toda parte, como por exemplo, o aquecimento global, a perda maciça das florestas e biodiversidade, entre outros. Como um lado diferente da mesma moeda, milhões de seres humanos estão condenados a uma vida de sofrimento, fome e miséria. O que se percebe é que a mesma lógica que super-explora o planeta também produz a miséria e a fome.
( ... )"A Terra não é um enorme armazém infinito de recursos, nem uma grande lixeira capaz de absorver indefinidamente nossos degetos. O atual modelo de desenvolvimento mundial tem usado o Planeta além de sua capacidade de suporte; em consequência, o colapso dos sistemas vivos é visível por toda parte, como por exemplo, o aquecimento global, a perda maciça das florestas e biodiversidade, entre outros. Como um lado diferente da mesma moeda, milhões de seres humanos estão condenados a uma vida de sofrimento, fome e miséria. O que se percebe é que a mesma lógica que super-explora o planeta também produz a miséria e a fome.
Por trás dessa dessa vida, existem valores egoístas, materialistas, mesquinhos, nos quais o que realmente importa é acumular mais poder e lucro crescentes. (...) Na verdade, cada um de nós que coloca sua ideia de felicidade, sucesso, prestígio ou reconhecimento social no acúmulo de bens e dinheiro reforça esse modelo."
Ligar para o Norte do país exige um pouco de paciência, principalmente se o interlocutor estiver dentro da Amazônia. Depois de nossa ligação ter caído duas vezes no meio da conversa, o padre Edilberto Sena faz piada: “Deve ser aí, porque aqui no Pará tudo é muito desenvolvido”. Sena está organizando o I Encontro dos Povos e Comunidades Atingidas e Ameaçadas por grandes projetos de infraestrutura, nas bacias dos rios da Amazônia: Madeira, Tapajós, Tele Pires e Xingu que acontece entre os dias 25 e 27 de agosto, na cidade de Itaituba, no Pará.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Edilberto fala do encontro e narra a atual situação dos povos que serão atingidos pela Hidrelétrica no rio Tapajós. “O governo vende a falácia da energia limpa como se só tivéssemos duas alternativas: ou a energia suja do petróleo ou a energia limpa dos rios. E como a Amazônia é riquíssima em rios, eles estão aproveitando. São mais de 58 projetos de hidrelétricas na Amazônia. Cada barragem incide numa inundação imensa rio acima, provocando um distúrbio na bacia do rio abaixo, além da expulsão dos ribeirinhos”, explica.
IHU On-Line – O que vocês estão preparando para esse primeiro Encontro dos povos e comunidades atingidas por projetos de infraestruturas nas bacias dos rios da Amazônia?
Edilberto Sena – O encontro vai acontecer entre os dias 25 e 27 de agosto. Ele tem como objetivo principal o fortalecimento das alianças de todos aqueles que lutam em defesa da dignidade dos povos da Amazônia que vivem próximo da bacia dos rios Madeira, Telles Pires, Xingu e Tapajós. Na quarta-feira, teremos um ritual inicial que será realizado por cada grupo representante das quatro bacias. Eles trarão cinco litros de água do seu rio e farão um ritual de encontro das águas das quatro bacias com o rio Tapajós. Esse momento acontecerá na beira do rio e ali vou fazer um pronunciamento depois, os Munduruku farão uma espécie de “exorcismo” para expulsar os demônios que querem destruir os povos e os rios da Amazônia.
No dia seguinte teremos mesas redondas e depoimentos de companheiros e companheiras que vêm das diversas bacias sobre a nossa luta em defesa da dignidade. Vamos fazer um teatro pequeno onde faremos uma ligação direta com a plateia presente. Queremos divulgar ao máximo nos meios de comunicação de Itaituba, Belém, Santarém e do mundo através da internet para mostrar que o governo tem sido mentiroso porque dizem que não vão causar impactos sociais ou econômicos e as consequências que virão serão mínimas e compensadas. Sabemos que os impactos negativos são ambientais, econômicos e sociais para nossa região.
Para se ter uma ideia: o documentário que a Eletrobrás fez na bacia do rio Tapajós diz que cerca de 75 mil pessoas chegarão em busca de trabalho. Os projetos vão absorver diretamente apenas 25 mil. Isso significa que 50 mil pessoas ficarão zanzando em busca de emprego. Isso fará com que, por exemplo, o problema da prostituição aumente, assim como HIV, conflitos pessoais e assaltos. A cidade de Itaituba não consegue captar a maldade desses projetos de hidrelétricas na Amazônia.
O governo vende a falácia da energia limpa como se só tivéssemos duas alternativas: ou a energia suja do petróleo ou a energia limpa dos rios. E como a Amazônia é riquíssima em rios, eles estão aproveitando. São mais de 58 projetos de hidrelétricas na Amazônia. Cada barragem incide numa inundação imensa rio acima, provocando um distúrbio na bacia do rio abaixo, além da expulsão dos ribeirinhos. Nós vamos denunciar tudo isso porque ficamos sabendo que a Eletronorte já seduziu os vereadores de Itaituba e levou-os até Itaipu para mostrar as belezas dessa hidrelétrica. Isso porque depende também da Câmara de Vereadores local fazer algum tipo de aprovação do projeto. Agora, os vereadores estão divididos.
Nós, do Pará, não precisamos de mais hidrelétricas. O povo do Pará precisa da distribuição de energia já existente. A hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, já fornece luz para Tapajós, onde vai ser construída uma nova barragem. A energia de Tucuruí já atravessou o rio Tapajós e serve Itaituba.
IHU On-Line – Qual é a situação nesse momento do pessoal que vive próximo ao Tapajós e ao rio Madeira?
Edilberto Sena – Nós estivemos, no final do ano passado, em São Luis do Tapajós, distribuindo nossa cartilha. O pessoal nos escutou, mas depois de irmos embora, chegou gente – supomos que encomendados pela Eletronorte – que foi criar uma contra-informação de forma que, nesta localidade, há pessoas que, agora, são contra e outras a favor. Na localidade de Pimental isso gerou até um conflito religioso. Os padres sensibilizam a população mostrando a importância de proteger o rio, e, na mesma cidade, tem um pastor protestante que, por algum motivo, apóia a hidrelétrica. Desta forma, os protestantes apóiam a construção da barragem e os católicos são contra. Então, dá para imaginar como o joio está sendo semeado na cabeça do povo da região.
Aqui em Santarém, que parece mais distante do problema, tem gente interessada em ouvir nossos argumentos. Fiz, recentemente, uma palestra lá na Ulbra e outra na Universidade do Estado do Pará (UEPA). Há de fato uma curiosidade por parte da população de Santarém. Não interessa à Eletronorte vir dialogar com o povo. As informações sobre a Amazônia são tão escassas que muitas pessoas que vivem no Sul do país não sabem quantas pessoas vivem aqui na região. Para boa parte dos povos do Sul e de Brasília, especialmente, a Amazônia é um Eldorado de riquezas que precisam ser saqueadas. Quem pensa assim não sabe que na Amazônia vivem 25 milhões de seres humanos. É quase a população de toda a Argentina. E não sabem que aqui se fala mais de 120 línguas e isso significa que há povos diferenciados e que têm direitos constitucionais. No entanto, o governo está passando o rolo compressor, mudando, inclusive, leis ambientais, e está a serviço da mineração aqui no Norte, da Cargill, da Vale, da Rio Tinto e outras grandes empresas que vêm roubar a riqueza da Amazônia.
Edilberto Sena – A Alcoa está explorando bauxita há mais de dez anos aqui. A Cargil, de forma monstruosa, instalou um porto aqui em frente da cidade, dentro do rio Tapajós e faz dez anos, também, que lutamos contra isso. A Vale está presente em Marabá. A Rio Tinto explorou um grande minério de bauxita no outro lado do Amazonas e já está procurando onde vai instalar seu porto. A Companhia Indústria de Monte Alegre está explorando cimento em Itaituba e está vibrando com os projetos hidrelétricos porque vai fornecer cimento para todas essas grandes obras aí. A Serabi, uma grande empresa estrangeira que explora ouro, trabalha embaixo do rio Tapajós. Tudo isso fora a expansão do agronegócio.
Edilberto Sena – Na primeira página da nossa cartilha tem a carta que os índios Munduruku escreveram ao Presidente Lula. Eles perguntavam na carta: “porque é que vocês querem fazer toda essa maldade a nós que dependemos do rio e da mata? Tudo isso ao invés de vocês fazerem escola para nós, escola de segundo grau. Por que não trazem um hospital para cuidar dos nossos índios? Ao invés de fazerem essas coisas, vocês estão trazendo desgraça para nós”. É possível, com isso, ver a carência que eles têm na área da saúde e educação. Eu estive lá recentemente e vi como eles vivem sem assistência médica. Tinha lá uma coitada de uma enfermeira sem acesso aos remédios contra a malária.
O ribeirinho também não tem assistência médica nem escolas suficientes. A faculdade mais próxima para aquele povo de lá fica em Itaituba. Imagina agora o pobre jovem que mora lá em Pimental, São Luis ou em Jacareacanga precisam ir até Itatuiba para poder estudar numa faculdade, que é mixuruca, mas existe. A melhor universidade que tem fica em Santarém, aqui tem um pouquinho mais de progresso. O governo nem está preocupado com isso. Eles dizem que instalaram uma universidade nova em Santarém. Sim, fizeram, mas e para o jovem que está lá em Jacareacanga? E para o índio munduruku?
Saneamento básico? Meu Deus. Se você vier aqui em Santarém verá que o esgoto é jogado direto no rio. Aqui nós temos água do céu, do rio, dos igarapés e do aquífero Alter do Chão. Grande parte das famílias da cidade recebe água apenas algumas horas por dia ou algumas vezes por semana, porque a companhia de saneamento do Pará é um desastre. Essa é a situação do povo que vive aqui.
IHU On-Line – Quem pode impedir que essas barragens sejam construídas?
Edilberto Sena – Olha que eu vou dizer coisas que vão me complicar, mas vou dizer. Nós temos que olhar para a história, e é essa história que tentamos passar para o nosso povo, mesmo que nós sejamos acusados pela Folha de São Paulo de que fazemos incitamento ao crime. Na África do Sul temos o exemplo de Nelson Mandela, na Índia temos Ghandi, em Cuba está Fidel Castro. Olhamos para a Bolívia e vemos o índio Evo Morales assumindo o poder – apesar de suas fraquezas. Então, esses exemplos, devem ser mostrados ao povo. Só tem uma forma de impedirmos um governo pseudodemocrático a respeitar nossa dignidade: resistindo. A forma de resistência é algo que temos que aprender a fazer. Nós somos contra a violência e os crimes, mas isso está sendo feito pelo Estado, a violência está sendo feita pela Eletronorte.
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