terça-feira, 11 de maio de 2010

MANDANTES E ASSASSINOS, JULGADOS E CONDENADOS.

A justiça tarda, mas não falta”, eis um ditado popular verdadeiro. Quando o povo fala este ditado fica claro que a morosidade da justiça tem contribuído para o adiamento constante da consolidação democrática do país, ou seja, não teremos autêntica democracia sem a presença eficaz da justiça social. Esta deve permanecer presente como ferramenta necessária na construção de uma sociedade de iguais. A luta constante de muitos membros da Igreja é para que a justiça de fato funcione e que todos, principalmente os pobres, que são os mais injustiçados, tenham seus direitos respeitados.

A missionária norte-americana Ir. Dorothy Stang, assassinada a tiros no dia 12 de fevereiro de 2005 em Anapu, PA é um dos modelos de martírio da Igreja atual. O dom do martírio é concedido por Deus às mulheres e homens que se deixam conduzir pelo Espírito Santo. O mártir não morre à toa. Não se pode atribuir a graça do martírio a qualquer assassinato que acontece na sociedade. O mártir é a pessoa que se encontrando no seguimento de Jesus de Nazaré e guiado por seu Espírito entrega a sua vida pela causa do Reino de Deus. Eis o conceito clássico e autêntico de martírio. Desta forma, fica claro que não existe martírio fora do seguimento de Jesus, nem sem a devida referência ao Reino de Deus. A Ir. Dorothy Stang morreu pela justiça do Reino de Deus.

No início da madrugada deste 1º de maio, Regivaldo Pereira Galvão, “o Taradão”, um dos mandantes do crime, foi condenado a 30 anos de prisão pela Justiça do Estado do Pará. Antes deste, outros quatro também foram condenados, a saber: Rayfran das Neves Sales, condenado a 28 anos, por executar a Irmã; Clodoaldo Calos Batista, condenado a 17 anos, por participar do assassinato; Amair Feijoli da Cunha, condenado a 18 anos, por intermediar a contratação do executor; Vitalmiro Bastos de Moura, “o Bida”, condenado a 30 anos, um dos mandantes do crime. O crime teria sido encomendado a um valor de 50 mil reais.

Estes cinco criminosos tentaram calar a voz da Igreja na Amazônia. A Ir. Dorothy não agia em seu próprio nome, mas em nome de Deus e em comunhão com a Igreja. Hoje, sua missão é assumida por um Bispo profeta, Dom Erwin Krautler, missionário austríaco na Prelazia do Xingu, e por tantas mulheres e homens que trabalham na construção do Reino de Deus, perseguidos e mortos, clandestinamente. A fé cristã é dinâmica e o sangue dos mártires fecunda a vida da Igreja e do mundo. Todo assassino perde seu tempo pensando que matando um (a) missionário (a) de Jesus a missão profética acabará. O Espírito de Deus tem despertado profetas e profetisas na hora e nas circunstâncias certas da história.

A justiça paraense não pode aceitar recurso algum para redução de pena, anulação de julgamento, habeas corpus etc. em favor de tais criminosos. Eles precisam responder pelo que fizeram. São uma ameaça ao convívio social, precisam ser mantidos presos, pois tudo o que ameaça a segurança pública e a vida da Amazônia precisa estar no estado constante de vigilância. A Justiça sabe da necessidade de um olhar prudente e permanente para a situação da floresta amazônica. Políticas de segurança pública são urgentes para a proteção da floresta e dos povos indígenas que lá residem. A Amazônia é patrimônio da nação brasileira e da saúde do planeta e precisa ser protegida urgentemente. Não se pode mais tolerar o desmatamento, a poluição e a grilagem de terras que ocorrem desordenadamente.

O martírio da Irmã Dorothy Stang interpela a Igreja e a todos os cristãos a se empenharem cada vez mais na luta pela justiça do Reino de Deus. O Reino acontece quando os seguidores de Jesus buscam viver o amor e a justiça. O testemunho da Ir. Dorothy é de amor e de justiça. As Igrejas cristãs precisam renunciar ao prestígio e as riquezas para se dedicarem cada vez mais à prática da justiça. Uma Igreja inserida na luta pela libertação dos oprimidos é uma Igreja de mártires, pois os poderosos deste mundo não toleram os profetas e profetisas do Reino. Somente a profecia, vivida na verdade e no amor, constrói verdadeiramente a Igreja e uma sociedade justa e fraterna.

Tiago de França

UM JULGAMENTO HISTÓRICO

Elias Diniz Sacramento


Depois de mais de quinhentos e dez anos da chegada dos portugueses no Brasil, e dos seus crimes contra todos os povos indígenas, que nunca foram punidos, os latifundiários deste país, que sempre seguiram o exemplo dos portugueses, vão pensar duas vezes antes de cometerem algum mal contra alguém que luta e defende os pequenos desta terra.

Pela primeira vez na história desse país e, mais precisamente no Estado do Pará, campeão em violência no campo, graças ao reinado da impunidade, uma quadrilha toda foi colocada atrás das grades para pagar, perante a lei dos homens pelo crime que cometeram. O crime, o assassinato da Irmã Dorothy Mae Stang, não só Irmã, mas como um dos sobrenomes sugere, “Mae”, “Mãe” dos que com ela conviveram, dos irmãos e filhos de Anapu, filhos sofridos e por ela amados.

Diversas vezes, os meios de comunicação da elite insinuaram que o processo só estava correndo mais rápido porque a Irmã Dorothy era estrangeira, norte americana. Mentiram, porque quem ama o próximo não tem fronteiras, não tem país, vive no amor de Cristo, que é Universal. Esse amor, a Irmã Dorothy soube levar por onde passou. O amor da fraternidade, da partilha, diferente do amor dos fazendeiros, dos grileiros de terra, dos que vêm de fora para esta terra pensando no egoísmo, de ganharem muito dinheiro apenas para si mesmo. Quando pensam nos outros, é para explorar. O amor da Irmã Dorothy era para partilhar o bem comum das terras sem devastar. São pensamentos diferentes e projetos diferentes, onde a ganância de alguns contrasta com o amor dos pobres e oprimidos.

Quantos já morreram por causa desse projeto coletivo, da partilha da terra para dar um sustento digno para as famílias desse país, que também são filhos desta Pátria, às vezes não muito gentil com seus filhos? Irmã Adelaide Molinari, Padre Josimo Tavares, o pai e os filhos Canuto, Dema, Dezinho, Expedito Ribeiro, Benezinho, meu pai Virgílio Serrão Sacramento, 19 Sem Terra em Eldorado dos Carajás e muitos e muitos outros que não pensaram duas vezes de que lado ficar em nome do amor, o verdadeiro amor ensinado por Jesus Cristo, que diz “Não existe prova de amor maior, do que doar a vida pelo próprio irmão”.

O julgamento e a condenação de todos os acusados pelo envolvimento na morte da Irmã Dorothy significam muito para toda a sociedade brasileira, mas precisamente paraense. Não significa dizer que a impunidade no campo acabou, mas que exemplarmente, houve uma condenação justa, que embora se saiba que existem outros fazendeiros de Anapu envolvidos no assassinato, agora vão pensar mais quando forem tirar a vida de alguém que defende o projeto de Deus nesta terra. Isso não quer dizer que daqui para frente a criminalidade vai acabar, porém esses gananciosos, a partir dessa condenação, já sabem que com fé em Deus e muita pressão, a Justiça funciona.

Condenar todos os assassinos da irmã Dorothy, não significa dizer que a luta acabou. Há muitos outros processos que precisam ser julgados e nós vamos continuar nessa batalha para que eles possam ser levados a júri popular. Entretanto, essas condenações têm um significado muito grande. A partir de agora, os grandes latifundiários gananciosos sabem que as coisas não são mais como eles pensavam - tomar terras, matar e tudo ficar impune, como sempre aconteceu.

Tenho certeza que todos os que morreram lutando por um projeto de igualdade, neste Brasil e nesta Amazônia, não morreram em vão, e eles, os MÁRTIRES DA TERRA, assim com nós, estão felizes com a condenação de Regivaldo Galvão. Devem estar comemorando no Céu com a Irmã Dorothy esta vitória.

Todos os Mártires da Terra Vivem? Sempre! Sempre!

Irmã Dorothy vive? Sempre! Sempre!


Elias Diniz Sacramento é filho do sindicalista Virgílio Serrão Sacramento, assassinado em Moju no dia 05 de abril de 1987 a mando de grileiros do município. É Mestre em História Social da Amazônia pela UFPA. Autor do livro 'A luta pela terra numa parte da Amazônia: o trágico 07 de setembro de 1984 em Moju'. É Membro da fundação Virgílio Serrão Sacramento de Educação e colaborador da CPT Guajarina.


segunda-feira, 3 de maio de 2010

QUE TUA SERVA, SENHOR, DESCANSE EM PAZ!

Quando a justiça e a verdade germinam na terra, o amor e a paz desabrocham quais flores viçosas. É destas flores viçosas que fazemos um ramalhete e depositamos na sepultura de Ir. Dorothy, acompanhada de nossa prece: Agora Senhor, deixa tua serva partir em paz (cf. Lc 2,29).
Sim! Dia 30 de abril de 2010 encerrou-se uma fase da história do sangue derramado que manchou o solo de Anapu, aos 12 de fevereiro de 2005. Este sangue de Ir. Dorothy uniu-se ao sangue de tantas vítimas, cujas veias foram rasgadas pela violência e cobiça que golpeia nossa terra, gerando um mar de lágrimas.
O sangue de Ir. Dorothy, unido ao sangue das outras vítimas da violência, tanto no campo quanto na cidade, fez jorrar um rio de clamores por justiça e uniu pessoas de credos, etnias e condições culturais e sociais distintas. Um brado só chegou ao coração da justiça e, porque não dizer, ao coração de Deus.
A história ainda não deu sua última palavra, mas a força do clamor por justiça, contra a impunidade, resultou na condenação dos cinco acusados da morte de Ir. Dorothy.
Quando, na madrugada deste dia 1º de maio a sentença foi proferida, não foi apenas uma sentença contra um dos mandantes do crime de Ir. Dorothy. Era uma brecha de esperança que se abria para todas as pessoas que sofrem a dor da perda dos seus, cuja justiça tarda demais e não permite que as vítimas “descansem em paz”.
Longe de qualquer sentimento de vingança, a condenação de Regivaldo Pereira Galvão é uma convocação para que todos e todas prossigamos na busca de um mundo mais humano, justo e solidário, sem violência e sem impunidade. Que o amor e a verdade se encontrem e que a justiça e a paz se abracem, conforme reza o salmista (Sl 85,11) e cuja prece também fazemos.
E que agora Ir. Dorothy possa descansar em paz, porque cabe a nós o cultivo das sementes jogadas no chão da história.
Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ
Presidente da CRB Regional

A FORÇA E A FÉ DE UM COMITÊ

A vida é o oposto da morte e os pensamentos de morte são necessários se queremos pensar de maneira significativa na vida .... as mais intensas experiências de vida acarretam as mais intensas experiências de morte (Rollo May, em Liberdade e Destino).
Com este pensamento acima quero testemunhar e reconhecer a força e a fé de um comitê. Trata-se do Comitê Ir. Dorothy, constituído por pessoas cujos sonhos convergiram nesta direção de pensar na vida de maneira significativa, a partir de uma intensa experiência de morte.
Em Anapu, há cinco anos, morria Ir. Dorothy. Sua morte deu novo significado à vida de muitas pessoas. A luta por justiça, o clamor contra a impunidade, a articulação de iniciativas em prol da verdade, a sustentação dos sonhos de quem acreditou num desenvolvimento sustentável para a Amazônia, tudo isto fez surgir o Comitê que, imbuído de força e fé, se pôs solidário com outras experiências intensas de morte, marcadas pela violência e acompanhadas da impunidade
O Comitê Dorothy é fruto de uma intensa experiência de morte que resultou numa grande experiência de vida. Participantes da primeira hora já deixaram atrás de si um testemunho inegável de doação, generosidade, entrega sem medidas. Este testemunho vai se fazendo convocação para outras pessoas que se somam ao sonho comum de que é com justiça que se faz um mundo novo.
O Julgamento do quinto acusado exigiu de todos e todas, o empenho redobrado. Muita emoção a ser contida, muita articulação a ser feita, uma doação sem precedentes. Mulheres e homens, jovens e idosas, montando acampamento, providenciando recursos zelando pelos alimentos, acolhendo pessoas. Noites sem dormir, madrugadores em vigília, atenção redobrada. Além de ser suporte para os que responsáveis do processo judicial, o Comitê, junto com outras entidades, sustentou a mística da resistência para se chegar ao julgamento de todos os acusados.
A maior alegria do Comitê Dorothy não é, certamente, a condenação das pessoas acusadas, mas o sinal de que a impunidade não tem a última palavra. E por ser tal seu norte, o Comitê vai se tornando referência para tantas outras pessoas que clamam por justiça. A frase repetida nas praças por tantas pessoas - mataram meu filho e não consigo a justiça – convoca o Comitê a prosseguir na força e na fé.
A gratidão e o reconhecimento de quem testemunhou tanta solidariedade.
Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ
Presidente da CRB Regional
( CRB - Conferência dos Religiosos do Brasil)